Individualidade x Individualismo
A sociedade atual valoriza cada vez mais a autossuficiência e favorece um modo de agir que ignora o outro. Num ambiente assim, os relacionamentos afetivos se tornam praticamente impossíveis. Afinal, eles resultam de ações e reações que se dão entre um e outro. Pessoas que não conseguem dar atenção a ninguém mais além de si mesmas só podem ficar sozinhas.
O mundo está cheio de homens e mulheres autossuficientes, convictos dos próprios talentos e regidos pelo individualismo. E não é para menos. A competitividade característica da vida atual enaltece esse modo de ser e agir. Parte-se do pressuposto de que tanto as conquistas quanto os fracassos de uma pessoa devem-se apenas a ela. Acredita-se que ninguém precisa de ninguém.
Na década de 1970, o psicólogo francês Claude Steiner (74) já alertava: "A crença no valor do individualismo obscurece qualquer compreensão do modo pelo qual os seres humanos se afetam mutuamente, de forma boa ou ruim; assim, ela oculta tanto a opressão quanto a cooperação".
O fato é que a forma como uma pessoa se posiciona influencia a atitude da outra, e viceversa. Assim, se me apresento insegura num encontro, mobilizo no meu interlocutor sensações que determinam a atitude que ele terá comigo. Do mesmo modo, eu reagirei à atitude dele, sem ter consciência de que foi influenciado por mim. Os relacionamentos são frutos dessas interações, por isso o individualismo os compromete bastante.Para piorar, frequentemente se confunde individualismo com individualidade, que é a noção de identidade, a sensação de termos particularidades que nos tornam únicos. Diferentemente do individualismo, porém, que leva a pessoa a considerar só a si mesma, a individualidade parte do princípio de que, se somos únicos e desejamos respeito por isso, então entendemos que o outro seja igualmente único e tenha desejo semelhante ao nosso. Ou seja, existe um ponto de partida comum sobre o qual se apoiam condutas cooperativas e solidárias. Confundir individualidade com individualismo faz com que as pessoas interpretem seus parceiros como concorrentes.
Tenho observado um crescimento assustador de condutas assim, o que denota o aumento de relações de poder entre os casais. Também observo o aumento no número de pessoas que desejam companhia e buscam vorazmente sentir paixão e amor, enquanto outras, revoltadas com a solidão, envolvem-se em relações superficiais e efêmeras.
Um paciente casado e com filhos queixou-se de solidão e justificou a atitude negligente da esposa, revelando-se culpado por ter dado atenção demais ao trabalho. Quando perguntei o que ela havia feito nos 15 anos em que ele estivera voltado à profissão, disse que se dedicou a cursos, viagens e torneios de tênis, além de ter ajudado a mãe doente e depois o pai, deprimido com o falecimento da esposa.
Comentei que ela parecia ter se virado bem e perguntei como reagia agora, frente ao pedido dele de companhia. "Ela diz que não existe espaço na vida dela para mim, que se ocupou de assuntos que não me dizem respeito", respondeu ele.
Seria fácil buscar um culpado para a situação, mas isso só nos forneceria meio entendimento sobre ela. Vale mais analisar o resultado da interação do casal. Na verdade, não houve entrega. Ambos mantiveram a atitude individualista de resolver os próprios problemas. Com isso, perdeu-se a razão principal da relação: compartilhar os destinos para crescer junto. Individualmente, eles cresceram. Ele se tornou empresário de prestígio. Ela, uma mulher reconhecida na sociedade. Mas estão infelizes e solitários.
Rosa Avello